SAÚDE MENTAL DOS IDOSOS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Luciellen Neurianne dos Santos Carneiro, Heloísa Maria Marques Lessa

Resumo


No Brasil, as primeiras ações ligadas à pandemia do novo Coronavírus, designado como severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (sars-cov-2), e como corona virus disease 19 (covid-19) tiveram início em fevereiro, com a repatriação dos brasileiros que viviam em Wuhan, cidade chinesa - epicentro da infecção.

A organização mundial de saúde (OMS) declarou Estado de Pandemia Mundial no dia 11 de março e, logo após, o Ministério da Saúde regulamentou critérios de isolamento e quarentena aplicados pelas autoridades sanitárias em pacientes com suspeita de contágio, grupos de risco ou confirmação de infecção por Coronavírus.

O agente etiológico trata-se de RNA, vírus da ordem nidovirales, da família coronaviridae. Os vírus da sars-cov, mers-cov e 2019-ncov são da subfamília betacoronavírus que infectam somente mamíferos. Eles são altamente patogênicos e responsáveis por causar síndrome respiratória e gastrointestinal.

Os sinais e sintomas clínicos referidos são principalmente respiratórios. Porém, o paciente pode apresentar febre, tosse e dificuldade para respirar. No entanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maioria dos pacientes com COVID-19 (cerca de 80%) podem ser assintomáticos e cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar- por apresentarem dificuldade respiratória - desses casos, aproximadamente 5% podem necessitar de suporte para o tratamento de insuficiência respiratória (suporte ventilatório), sendo mais comum a incidência em indivíduos acima de 60 anos.

Os idosos são destaque na pandemia COVID-19. Os dados apontam maior taxa de mortalidade entre os indivíduos com 60 anos ou mais, especialmente aqueles portadores de doenças crônicas. Esse dado foi reafirmado no dia no dia 17 de março de 2020, quando ocorreu o primeiro óbito no Brasil: um homem de 62 anos, diagnosticado com diabetes e hipertensão, que estava internado em uma rede especializada de saúde para a população idosa.

Diante do fato comprovado, ressaltamos que os idosos ocupam o centro de atenção desta pandemia, devido aos fatores de riscos relacionados à velhice e, levando assim, à condução de medidas, ações e estratégias de distanciamento social especificamente pensadas para esse grupo.

O isolamento social é a principal recomendação das autoridades de saúde mundial, a fim de evitar a propagação do Coronavírus, ou seja, dentre as diretrizes recomendadas para segurança dos idosos durante a pandemia, ficou decretado o distanciamento e o isolamento social como medidas preventivas e protetivas primordiais.

Com isso, o medo de ser contaminado, a impossibilidade do contato físico - dentre outros fatores – ocasionou o surgimento de uma situação que culminou em proporcionar alterações à saúde mental da população, em especial aos idosos.

De acordo com especialistas da área de estudo, os sintomas psicológicos estão relacionados com as fases da epidemia. A primeira fase é caracterizada por uma mudança radical de estilo de vida, sendo evidenciada pelo medo de ser contaminado pelo vírus, acarretando necessidade de redução do número de pessoas do convívio, de distanciamento dos mesmos e o isolamento com relação a outras pessoas, excluindo-se do contato físico.

Analisando-se esses fatores, concluímos que a epidemia é, portanto, um forte causador e agravante de estresse que, por sua vez, é fator causal de desequilíbrios neurofisiológicos.

A segunda fase está relacionada ao confinamento compulsório, que exige uma necessária mudança de rotina, sendo comuns as manifestações de sentimentos de desamparo, tédio e raiva pela perda da liberdade, caracterizados por ansiedade, irritabilidade e desconforto em relação à nova realidade que lhe é imputada.

A terceira e última fase está relacionada com as possíveis perdas econômicas e afetivas decorrentes da epidemia, principalmente para as pessoas que necessitem que sejam internadas, pois trata-se de um período de experiência traumática. Temos por exemplo, pessoas que necessitaram de procedimentos de intubação e tratamento intensivo. Indivíduos que vivenciam tais cuidados, apresentam uma experiência próxima da morte, sendo as sequelas mais importantes: comportamentos afetados por depressão, risco de suicídio e o desenvolvimento posterior do estresse 

pós-traumático.

Os especialistas reforçam que os idosos são os grupos que mais precisam de solidariedade, pois eles tendem a ficar mais isolados e isso afeta a saúde mental, provocando o agravamento de problemas pré-existentes e, principalmente, desencadeando ou agravando a depressão.

Um dos mais adequados modelos de abordagem da depressão na terceira idade é o modelo biopsicossocial que congrega os aspectos sociais, psicológicos e orgânicos como fatores necessários para produzir e manter o quadro depressivo, que atualmente se enquadra na pandemia do Covid.

Do ponto de vista vivencial, o idoso automaticamente se encontra em situação de perdas continuadas: a diminuição do suporte sociofamiliar, a perda do status ocupacional e econômico, perda dos amigos, o declínio físico continuado, a maior frequência  de doenças físicas e a incapacidade pragmática crescente – e, devido à pandemia, essas vivências passam a  acontecer de uma forma mais acelerada.

Portanto, nesse ínterim, a família e a sociedade podem e precisam se tornar um sistema de cuidado maior em relação ao apoio a esse idoso. Eles devem seguir orientações e recomendações sobre o relacionamento pautado por respeito, verdade, informação, pactuação conjunta de atividades diárias, permeadas por atitudes de apoio social e cultural.

É emergente e crucial definir e defender que o distanciamento social não caracteriza abandono. Portanto, cada família, em conjunto com o idoso, precisa refletir e discutir estratégias importantes para seu contexto diário - como por exemplo, quando for preciso ir às compras de supermercado e outras eventuais necessidades que a idade restringe. Nesse momento de pandemia Covid-19, o afastamento físico reflete a repressão de ato de amor, carinho e consideração, além de ser um contingenciamento que lhe afere uma diminuição do sentimento de proteção.

O cuidado e a atenção com os idosos em período de pandemia requerem estratégias de apoio e alerta para sinais e sintomas em geral, em que, mesmo aqueles idosos que residem sozinhos, precisam poder contar com pessoas de referência para reportar suas necessidades, sentimentos ou relatos de saúde e doença.

Muitos indivíduos pertencentes ao grupo da terceira idade já vivenciaram pandemias anteriores a essa que nos apresenta e, portanto, possuem experiências para serem compartilhadas. Uma medida profilática para as pessoas de maior idade é o diálogo em forma de relatos de suas experiências, o que só enriquece o convívio, a manutenção das memórias de suas vivências e os laços afetivos com a família.

Por fim, além de ser oportuno ressignificar os vínculos com os idosos, cabe também a importância de adoção de atitudes de respeito e consideração com esse público fragilizado, que se considera à margem da sociedade atuante.

Texto completo:

EDITORIAL

Referências


Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nota técnica n. 05/2020 GVIMS/GGTES. Orientações para a Prevenção e Controle de Infecções pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2) em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Brasília, 24 de março de 2020. [Internet]. 2020. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33852/271858/.

NOTA+T%C3%89CNICA+N%C2%BA+05-2020+GVIMS-GGTES-ANVISA+-+ORIENTA%C3%87%C3%95ES+PARA

+A+PREVEN%C3%87%C3%83O+E+O+CONTROLE+DE+INFEC%C3%87%C3%95ES+PELO+NOVO+CORONAV%C3%8DRUS+EM+INSTITUI%C3%87%C3%95ES+DE+LONGA+PERMAN%C3%8ANCIA+PARA+IDOSOS%28ILPI%29/8dcf5820-fe26-49dd-adf9-1cee4e6d3096. Acesso em: 02 abr. 2020.

ALMEIDA, O. P. Aspectos gerais de psiquiatria em idosos. In: Almeida O. P., Dratcu, L.; Laranjeira R.; editores. Manual de Psiquiatria. (pp. 236-49). Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1997.

BRASIL. Ministério da Saúde. O que é o Coronavírus? (COVID-19). [Internet]. 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/. Acesso em 25 mai. 2020.

________ Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência. Protocolo de Tratamento do Novo Coronavírus (2019-nCoV). [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. Disponível: https://portalarquivos2. saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/05/Protocolo-de-manejo-clinico-para-o-novo-coronavirus-2019- ncov.pdf. Acesso em 25 mai. 2020.

________ Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Doença pelo Coronavírus 2019. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/03/BE6-Boletim-Especial-do COE.pdf. 14. Valença TDC, Santos W da S, Lima PV, Santana E dos S, Reis LA dos. Acesso em: 25 mai. 2020.

FLECK, M.; LAFER, B.; SOUGEY, E.; PORTO, J.; BRASIL, M. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o Tratamento da depressão (versão integral). Ver. Brás. Psiquiatr., 25(2), 2003. p. 114-122.

JACOB, W. Filho; SOUZA, R.R. Anatomia e fisiologia do envelhecimento. In: CARVALHO, E.T. Filho; PAPALEO, M. Neto. Geriatria: fundamentos, clínica e terapêutica. São Paulo: Editora Atheneu, 1994.

NERY, Anna. Deficiência física na velhice: um estudo estrutural das representações sociais. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414.81452017000100208&lng=pt&nrm=isso. Acesso em 25 mai. 2020.

Organização Mundial de Saúde (OMS). https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em: 25 mai. 2020.

STEFANIS, C.; STEFANIS, N. Diagnóstico dos transtornos depressivos: uma revisão. In: MAJ, M.; SARTORIUS, N. (Eds.). Transtornos Depressivos (2 ed., pp. 13-49). Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 2005.


Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Direitos autorais 2020 JORNAL DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS E SAÚDE