CÉLULAS T CAR A CURA DO CÂNCER?

Thiago Mantello Bianco, Douglas Reis Abdalla

Resumo


O câncer representa um grupo heterogêneo de doenças que tem origem na transformação clonal de células podendo afetar qualquer tecido do corpo e, segundo a OMS (Organização mundial de Saúde), é a segunda maior causa de morte no mundo. A complexidade das alterações moleculares observadas nas células neoplásicas e as modificações do microambiente tumoral são fatores relevantes na patogênese da doença e tem impacto direto sobre o prognóstico, tratamento e sobrevida dos pacientes. O conhecimento do papel das células no microambiente tumoral e dos mecanismos de imunovigilancia abriu novas perspectivas para o desenvolvimento de estratégias para eliminar ou controlar a evolução da doença.

A imunoterapia é um campo da ciência que usa abordagens de biologia celular e molecular para tornar o sistema imunológico do paciente mais eficientes no combate das células tumorais. Um dos avanços mais recentes nesse campo foi o desenvolvimento das células T CAR (do inglês, Chimeric Antigen Receptor). Esse receptor quimérico é composto pela fusão de um fragmento da região variável de uma molécula de anticorpo com as proteínas de sinalização de células T como as porções citoplasmáticas das moléculas co-estimulatórias CD28 e/ou 4-1BB e a cadeia zeta (ζ) do receptor de célula T (TCR). Na região extracelular, o fragmento de anticorpo da especificidade enquanto que a composição da porção citoplasmática da CAR é responsável por gerar os sinais bioquímicos para a ativação tornando as da célula T CAR mais sensíveis as células tumorais. Atualmente, existem diferentes protocolos e estratégias para combinar esses fragmentos e gerar novas CAR. Esses diferentes protocolos resultaram no que chamamos de CAR de primeira, segunda e terceira geração. A estrutura dessas gerações de receptores CAR implicam diretamente na ativação das células T e na intensidade das respostas imunológicas.

Essa imunoterapia consiste na retirada de linfócitos T do sangue periférico do próprio paciente por meio de um processo chamado de leucoférise. Esses linfócitos T são então levados para o laboratório e, por meio de técnicas de engenharia genéticas, são modificados e passam a expressar o receptor de antígeno quimérico (CAR). Essas células são expandidas e devolvidas ao paciente. Essas células T CAR são altamente sensíveis a antígenos que são expressos pelas células tumorais. Desta forma, a exposição das células T CAR as células tumorais resultam na ativação desses linfócitos e na indução de um processo inflamatório que induz a morte das células que expressam esses antígenos especifcos.

Uma característica importante da terapia celular com uso das células T CAR é a necessidade de marcadores sejam expressos nas células tumorais. Portanto é necessário reconhecer que embora eficiente, as células T CAR são usadas para o tratamento de alguns tipos de câncer e que nem todos os pacientes podem ser elegíveis para o tratamento. Atualmente essa terapia é utilizada somente em alguns tipos de alguns tipos linfomas e Mieloma Múltiplo. Nas Leucemias Mielóide Aguda (LMA) e em alguns tipos tumores sólidos estão em fase de testes pré-clínicos, no entanto, a dificuldade de se identificar marcadores tumorais nessas doenças dificultam o uso dessa terapia.

Além disso, alto custo das células T CAR é um dos fatores mais relevantes e atualmente custa mais de um milhão de reais. O custo das células T CAR não se limita apenas a sua produção, mas também recai sobre uma estrutura qualificada para receber e cuidar do paciente durante o tratamento. Além disso, outro importante aspecto sobre a produção das células T CAR talvez seja sua produção em larga escala.

No Brasil, um dos centros de excelência na terapia celular é o Centro de Terapia Celular (CTC) da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Recentemente no Brasil, um paciente de 63 anos passou pela terapia com as células T CAR para tratar um tipo de tumor hematológico chamado de linfoma. As melhoras foram relevantes do ponto de vista clínico e atualmente o paciente será acompanhado por cinco anos para garantir que a doença não apresentará nenhum tipo de recidiva. Essa foi a primeira vez que um paciente foi tratado com essa terapia na América Latina e foi realizado por pesquisadores do CTC da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto apoiado pelo órgão de Fomento à Pesquisa do Estado De São Paulo (FAPESP).

Portanto, a terapia com uso de células para tratamento de doenças, em especial o câncer, tem se mostrado uma ferramenta muito promissora. As células T CAR abre novas perspectivas para o tratamento de pacientes que já passaram por todas as terapias convencionais e não obtiveram resultados dando uma chance de uma melhora ou até mesmo a cura desses pacientes. O investimento solido em pesquisa, infraestrutura e qualificação dos profissionais da área pode ajudar a acelerar os avanços e tornar a terapia celular cada vez mais próxima do paciente.


Texto completo:

Editorial

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Direitos autorais 2020 JORNAL DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS E SAÚDE